Não me sinto uma mulher como as outras, mas segui todos os mandamentos de uma boa menina: brinquei de barbie, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo.
Quem me vê caminhando na rua de salto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu hermafroditismo cerebral. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como homem, mas sinto como mulher.
Não me considero vítima de nada, sou autoritária, teimosa e um verdadeiro desastre na cozinha, peça para eu arrumar uma cama e estrague meu dia.
Hospedo em mim uma natureza contestadora e aonde quer que eu vá ela está comigo, só que sou bem-educada e não compro briga à toa.
O coração sempre foi gelatinoso.
faz eu dizer tudo ao contrário do que penso: nessas horas não sei aonde vão parar minhas idéias viris. Basta me segurar pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva-se.
Sou tantas que mal consigo me distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Costumo ser enigmática.
Se eu lhe disser que estou com medo de ser feliz para sempre, o que você diria? Se ser feliz para sempre é aceitar com resignação o pão nosso de cada dia e sentir-se imune a todas as tentações, então é desse paraíso que quero fugir.
Tenho medo de não conseguir manter minhas idéias, meus pontos de vista, minhas escolhas (...) eu tenho medo é da lucidez. Tenho medo dessa busca desenfreada pela verdade, pelas respostas. Eu me esgoto tentando morder meu próprio rabo (...) ok, eu sei que jamais vou derramar um copo de cerveja na cabeça de um homem, nem vou sair nua pelos parques protestando contra o uso de casacos de pele. Eu nunca vou fazer uma extravagância, e é isso que me assusta, por que uma piração de vez em quando pode ser muito bem vinda. Eu não tenho medo de perder o senso. Eu tenho medo é desta eterna vigilância interior, tenho medo do que me impede de falhar.
Não gosto que me peçam para ser boa, não me peçam nada, mesmo aquilo que eu posso dar. As relações de dependência me assustam. Não precisem de mim com hora marcada e por motivo concreto, precisem de mim a todo instante, a qualquer hora, sei ouvir o chamado silencioso da amizade verdadeira, do amor que não cobra, estarei lá sem que me vejam, sem que me percebam, sem que me avaliem.
Desde criança, o meu desejo maior não era visitar a Disney, ou morar num sítio. Eu queria era crescer. Isso sim é que deveria ser divertido, eu pensava.
E não me enganei.
Nada é mais encantador que a independência. Vivo em busca constante, tento investigar tudo que me soa estranho, sigo atenta a cada emoção, não me acomodo nem me acostumo com coisa alguma.
Se algo der errado é só chamar um adulto.
Martha Medeiros
_adaptado por mim.